domingo, 29 de agosto de 2010

São dias assim que…

O que fazer, quando em pleno Inverno o vento sopra abaixo dos 5 nós pela primeira vez em mais de 3 meses? Falta-se ao trabalho e aproveita-se o que isto tem de melhor, apneias no recife e à volta das suas ilhas para depois degustar peixe fresco.


As regras ditam, acordar ainda de noite para prolongar os dias curtos dos trópicos e conduzir com o barco atrelado rumo a norte até a um ponto de entrada na água mais próximo do recife. Durante a semana há uma diferença, não há filas de espera para se pôr o barco dentro de água…


Ainda assim leva entre uma a duas horas de navegação para se chegar a um sítio com recife decente e longe da influência do mangal, logo com melhor visibilidade. Nesta altura do ano o percurso de barco não é nada monótono, basta ir com alguma atenção e é-se presenteado com avistamentos de baleias de bossa, estão no final da época de migração para sul.










Apesar do vento (ou a falta dele) estar de feição para se ir para recifes mais exteriores e mais pristinos, a decisão sobre o sítio pendeu para umas pequenas ilhas (ou pequenos calhaus fora de água) mais perto da costa, logo com mais influência das águas costerias (mais turvas) e mais corrente (faz-me lembrar o Atlântico), mas com a certeza de ver muitos e grandes peixes. Afinal de contas o congelador começava a ficar vazio...

À semelhança de outros dias no mar: pescaria no coral; parar numa qualquer ilha a caminho de casa para filetar o peixe e evitar os trabalhos sujos em casa; não perder a oportunidade de comer peixe fresco e semi-cru, cozinhado apenas no ácido de sumo de lima e vinagre - Ceviche, receita originaria de países cento/sul americanos, neste caso com toque Mexicano; e no final os sorrisos por tamanha dádiva da natureza.

















Seria este um dia como outros (mas não tantos como gostaria), não fosse um pormenor que fez deste um que vai ficar gravado na minha mente para sempre. Estas rochas, onde há mais corrente, menos visibilidade e logo peixe de porte, atraem não só pescadores, mas também outros predadores, aqueles com barbatanas mais aguçadas. Até aqui nada de anormal, mas neste dia de semana em pleno Inverno Townsviliano cruzei-me com o maior tubarão que até então tinha visto ao vivo. Estava à superfície e foi tal o meu espanto quando o vi a passar junto ao fundo que não consegui conter um WOW pelo tubo. Foi um berro de adrenalina, que durou um par de segundos, resultante dum misto de sentimentos: surpresa, respeito, susto, receio, mas também contentamento de ver um grande senhor dos oceanos, daqueles que nos fazem sentir pequenos e vulneráveis dentro do grande azul (que neste caso tinha um misto de verde). Como é normal nestas situações, não deixei de acompanhar a sua trajectória (em sentido inverso à minha) à espera que desaparecesse-mos do meu (mas não do dele) campo de visão. Mas eis que ele resolve inverter a trajectória. Nada que não me tivesse acontecido antes, eles por vezes voltam, movidos pela curiosidade de predador, mas sempre no fundo seguem a sua vida. Este, talvez por se tratar dum Tubarão Touro, que se cruzou com um objecto não identificado à superfície, objecto esse mais pequeno do que ele, resolveu fazer uma investida até à superfície... Distanciavamos-nos talvez uns 10 metros e como tal essa curta investida durou uns 2 a 3 segundos... Tempo apenas para entrar em pânico, começar a dar à barbatana para trás na direcção oposta e pôr a cabeça fora de água aos berros, acho para me preparar para a dor (o único pensamento que me lembro desse curto espaço de tempo quando à posteriori fiz a reconstituição do acontecimento na minha cabeça). E nessa altura quando pus a cabeça fora de água vi parte do corpo do tubarão fora de água junto às minhas barbatanas e a voltar para o fundo. Não fiquei para ver, só nadei para junto do meu colega que ouviu os berros e veio na minha direcção a julgar que estava excitado por ter apanhado um peixe grande... Depois foi nadar uns 200 metros até ao barco sem olhar para trás e a pensar no que tinha acontecido...


Depois de entrar no barco, veio-me à memória o filme “Pulp Fiction”, quando o puto descarrega balas sobre o Samuel L. Jackson e nenhuma delas lhe acerta. Não conseguia deixar de pensar no porquê que ele tinha falhado. Decidi não invocar justificação divina e nem me vou pôr a recitar um determinado excerto da bíblia sempre que me preparar para apanhar um peixe. Penso que o tubarão se deve ter apercebido em cima da hora ou quando sentiu as minhas barbatanas que eu não era aquilo que ele pensava quando estava no fundo e desistiu no ultimo milésimo de segundo...


Fiquei ainda mais convencido desta justificação depois, quando fui pesquisar na net e descobri este vídeo


Agora consigo falar e até fazer piadas sobre o assunto, mas essa mesma noite foi muito mal dormida... Vendo por outro prisma, são dias assim que nos fazem realizar que um segundo diferente pode mudar muita coisa, que eu estou e que é isto que é a Austrália, que não devo estar demasiado confiante com tubarões dentro de água quando estou a apanhar peixes, que esta vida é linda e se ainda não vos disse, que vos amo a todos....